Essa semana, li uma reportagem que me deixou indignada! Era sobre o caso de uma criança, do estado de Goiás, que não consegue se matricular na rede pública estadual por sofrer de alergia alimentar múltipla. A secretaria estadual declara que 'o professor ou qualquer outro funcionário da escola não pode se responsabilizar em ministrar um medicamento que pode causar danos à saúde, se aplicado de forma incorreta'.
O medicamento em questão é um tipo de seringa conhecida por 'caneta de adrenalina', muito simples de usar: remove-se a tampinha e aperta-se a ponta da caneta contra o corpo da criança, geralmente na coxa. Pode ser aplicada até mesmo por cima das roupas. Crianças que precisam desse tipo de tratamento de emergência, geralmente, andam com uma carteira ou bolsa com o medicamento. É o caso dessa criança.
Tudo que os pais da menina pedem é que ela seja observada para não comer algo que não pode e, no caso de ela acabar comendo algo que cause uma reação alérgica, de se aplicar o medicamento e avisá-los.
Em janeiro desse ano, me formei educadora infantil aqui na Austrália e, para completar o curso, é exigido dos alunos que passem por um período de estágio numa instuição de ensino e por um curso de nível intermediário de primeiros-socorros. Durante esses dois treinamentos, a gente aprende como prevenir e como lidar com situações de emergência em caso de choque anafilático, causado por alergênicos. Todos os profissionais qualificados a trabalhar com crianças (escolas, creches, centros de recreação etc) no país têm conhecimento do problema e do medicamento e sabem o que fazer no caso de uma reação alérgica.
Ao ler a reportagem - que pode ser lida na íntegra através desse link: http://g1.globo.com/goias/noticia/2014/04/escola-de-goias-recusa-matricula-de-menina-com-alergia-alimentar.html - lembrei de minha prima, que tem uma filha que é alérgica a picada de formigas e que também carrega sua maletinha com o remédio pra onde quer que vá. Perguntei à ela como é a situação da menina na escola.
Ela me disse que, quando o problema foi descoberto e diagnosticado, ela passou instruções às professoras da menina na escola pública onde ela estuda. Ela também contou que as professoras foram muito atenciosas, mas, não se responsabilizaram em aplicar a injeção de adrenalina, caso a medicação via oral não surtisse efeito. Como a escola fica próxima a um pronto socorro, minha prima aceitou a condição e deixou instruções para ser avisada imediatamente no evento de qualquer reação alérgica.
Muitas crianças diagnosticadas como alérgicas, quando jovens, se vêem curadas depois dos quatro ou cinco anos de idade, quando o sistema imunológico está maduro o suficiente para assimilar a substância alergênica. Algumas delas, é claro, não têm a mesma sorte e crescem para uma vida de constantes cuidados.
Mas, a verdade é que, na maior parte do tempo da vida de pessoas, mesmo as crianças, alérgicas, nada de excepcional acontece! Elas comem, bebem, dormem, falam, trabalham, brincam e podem levar uma vida muito próxima do normal. Com cuidados, uma reação alérgica nunca vai acontecer.
O que me deixou indignada foi descobrir como a rede pública de ensino do
nosso país não só é despreparada como discrimina crianças com
necessidades especiais! Como pode o sistema público de ensino não oferecer alternativas razoáveis às crianças que requerem atenção especial por motivo de saúde, qualquer que seja? A mãe da menina da reportagem acabou conseguindo uma forma de matricular a filha numa escola particular preparada para lidar com casos de alergias, mas qual o destino das crianças alérgicas ou deficientes que não têm a mesma sorte?
O Princípio V da Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), ratificada pelo Brasil e constante do artigo 84 da Constituição Federal, diz que "à crianças incapacitadas
física, mental ou socialmente serão proporcionados o tratamento, a
educação e os cuidados especiais exigidos pela sua condição peculiar", assim como o Princípio VII que diz que "a criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário".
Apesar de, nos casos de que tenho conhecimento, a família ter encontrado uma forma de garantir à criança o acesso à educação, o sistema deveria estar preparado a oferecer alternativas e acolher toda e qualquer criança em idade escolar em vez de fazer pais darem a meia-volta, frustrados, com a tarefa de encontrarem uma saída por eles mesmos! :-/
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